Declaração política: Quem somos nós?

Somos uma rede latino-americana e caribenha de organizações/coletivos e redes feministas e lesbofeministas que acompanham mulheres, meninas e outras pessoas que fazem aborto.

Somos também uma possibilidade de alianças inter-regionais e uma plataforma de colaboração entre organizações, tanto na troca de conhecimentos quanto na construção de informações, evidências e sistematização. Buscamos fazer parte da defesa local e global, desafiando o conhecimento da medicina hegemônica colonial, aprendendo e ensinando umas às outras como praticar abortos seguros e feministas.

Acompanhamos em contextos onde a violência sexual patriarcal é perpetuada. Realizamos nosso trabalho em meio a profundas crises políticas, sociais e econômicas nos territórios que habitamos, que são militarizados e neoliberais. 

Baseamos nossas estratégias nas experiências das pessoas que abortam e as reconhecemos como mulheres, meninas e seres com força e coragem, mesmo quando estão sozinhas ao enfrentar essas situações.

Reconhecemos o conhecimento ancestral da genealogia do aborto e sabemos que os produtos farmacêuticos são uma invenção recente em comparação com a prática milenar do aborto. 

Acompanhamos e damos um significado especial à experiência de nossas vidas e daqueles que acompanhamos. Também acompanhamos e transformamos as relações humanas. Com essas experiências, estamos gerando outras formas de sustentar nossas existências, que prefiguram outros mundos possíveis diante da precariedade que o sistema nos impõe.

"A maneira política de acompanhar é respeitando a vida e a saúde das mulheres, não burocratizando os abortos, ouvindo ativamente, em encontros face a face. Acompanhamento amoroso baseado nas necessidades das mulheres, não na piedade, com base no total respeito por suas decisões".

Fazemos parte dos movimentos feministas que defendem o aborto legal em nossos países e nosso horizonte é a descriminalização do aborto. Nunca mais o aborto deve ser considerado um crime. 

Queremos um aborto livre, sem motivos e sem limites de semanas. 

 Pedimos aos Estados que parem com qualquer tentativa de perseguir os acompanhantes. 

Princípios políticos

 Princípio 1.

Estamos unidas por formas feministas de acompanhar e entender os abortos, entendendo a diversidade e as diferentes formas que cada coletivo em cada lugar desenvolve.  

Acompanhamos com amor e total respeito a autonomia das mulheres e das pessoas com capacidade de abortar, fazendo uso da escuta ativa, não burocratizando o aborto, ou seja, sem fundamentação, sem prazos, sem acrescentar obstáculos.

As mulheres são especialistas em suas vidas e são as protagonistas de seus processos de aborto. Nós as acompanhamos em um relacionamento horizontal baseado em suas necessidades, reconhecendo seus recursos e sua capacidade de ação.

Assumimos o aborto como uma ação de cuidado com a vida e a saúde das mulheres e pessoas com capacidade de abortar, como uma prática cotidiana que buscamos realizar sem medo, sem culpa, sem dependência e com prazer. 

Princípio 2.

Reconhecemos a experiência do aborto como uma situação atravessada pelas diversas realidades nas quais as mulheres e as pessoas com capacidade de abortar estão imersas; portanto, entender o aborto a partir da perspectiva da justiça social, sexual e reprodutiva nos permite acompanhar a partir de uma perspectiva interseccional que prioriza as necessidades daqueles que pertencem a setores sociais historicamente marginalizados em termos de direitos e/ou em condições de vulnerabilidade.

Princípio 3.

Nós nos reconhecemos, juntamente com as mulheres e pessoas com capacidade de abortar que acompanhamos, como produtores de conhecimento, criando teoria a partir da prática. Questionamos a hegemonia médica com base nas informações que geramos por meio de nossas experiências de acompanhamento.

Promovemos o direito à informação como uma ferramenta política que permite o acesso ao aborto seguro e prioriza a autonomia em detrimento da hegemonia médica. 

 Princípio 4.

Estamos comprometidos com a construção de comunidades com as mulheres e pessoas com capacidade de abortar que acompanhamos. Acreditamos que a experiência de fazer um aborto pode ser vivida em comunidade; o trabalho da rede fortalece uma maneira de resistirmos juntos ao sistema de dominação e exploração em que vivemos. 

Prioridades da rede regional.

Em um exercício de diálogo coletivo e assembleia, definimos as prioridades da Rede Feminista Latino-Americana e Caribenha de Companheiras do Aborto a curto e médio prazo. 

Essas prioridades podem ser resumidas em três: 

1) Fortalecimento da rede regional

Essa prioridade está relacionada ao fortalecimento da articulação regional que estamos construindo, para que a Rede Regional possa se tornar uma realidade cotidiana em cada um dos territórios onde há coletivos/organizações/redes nacionais que fazem parte dela. 

Fazer parte dessa Rede Regional deve nos permitir desenvolver estratégias conjuntas e uma resposta coletiva, entendendo que esse processo não é unilateral, mas se baseia na possibilidade de que todos nós que fazemos parte da Rede possamos contribuir e ter um senso de pertencimento. 

2) Acompanhando-nos para acompanhar 

Essa prioridade refere-se à capacidade de gerar espaços de intercâmbio, aprendizado conjunto e fortalecimento das capacidades de todos os coletivos/organizações/redes locais que compõem a Rede Regional, o que nos permitirá melhorar a forma de acompanhamento em nossos territórios. 

Essa prioridade também se refere ao acompanhamento, como Rede Regional, de ações de advocacia política e pública em cada país quando houver debates sobre a possibilidade de avançar ou recuar em relação ao aborto.

Também se refere ao processo pelo qual a confiança gera apoio, troca, força e a possibilidade de ver nas ações uns dos outros nosso alcance regional para garantir abortos em cada território por meio de cada coletivo de membros.

3) Geração de conhecimento

A partir da Rede Regional, queremos estar em espaços regionais e globais de tomada de decisões. Espaços políticos onde o conhecimento relacionado ao aborto está sendo disputado e debatido. Por exemplo, nas atualizações das diretrizes da Organização Mundial da Saúde. Esse componente refere-se à capacidade de gerar: 

  • Publicações conjuntas 
  • Sistematização de dados regionais sobre aborto
  • Geração de evidências a partir de nossa prática diária como acompanhantes de aborto medicamentoso 
  • Gerar conhecimento que nos permita recuperar o aborto como uma prática natural e cotidiana e criar um discurso positivo em torno dele.

Após o diálogo e a discussão sobre as prioridades da Rede Regional, foram desenvolvidas a missão e a visão que orientarão nossa ação de longo prazo:  

Missão: 

Nossa missão é ser um espaço de fortalecimento, intercâmbio e articulação entre os coletivos/redes/organizações de conselheiros de aborto na América Latina e no Caribe, a fim de concordar, fortalecer e melhorar a forma como acompanhamos o aborto medicamentoso e, ao mesmo tempo, influenciar estrategicamente os debates para a descriminalização/legalização do aborto em cada um de nossos territórios.

Visão: 

Nossa visão é que a América Latina e o Caribe sejam um território onde as mulheres e pessoas com capacidade de abortar possam fazê-lo com autonomia, acompanhadas por feministas que promovem o aborto livre e as acompanham com base na justiça social, felicidade, prazer e alegria. 

Ações prioritárias de curto prazo: 

Do debate realizado sobre as prioridades na Reunião Regional de 2020, também surgiram as ações prioritárias que queremos realizar como uma Rede Regional em curto prazo, em um período de dois anos. O Grupo Impulsionador será a estrutura encarregada de promover a implementação dessas ações prioritárias. 

Na próxima Reunião Regional da Rede, será feita uma avaliação do cumprimento do que nos propusemos a fazer e serão definidas novas ações prioritárias. 

A seguir estão as ações prioritárias em torno das quais o trabalho da Rede Regional girará de 2020 a 2022.  

  1. Prioridade 1: Fortalecimento da rede feminista latino-americana e caribenha de acompanhantes de aborto 

Essa prioridade trabalhará nos próximos dois anos nas seguintes ações prioritárias:  

  • A construção da identidade coletiva da Rede, que nos permitirá posicioná-la tanto regionalmente quanto em cada um dos territórios onde há membros da Rede.  
  • Geração de canais de comunicação interna, entre os membros da Rede, para melhorar a comunicação que temos entre nós. 
  • Melhorar as estratégias de encaminhamento para mulheres e outras pessoas com capacidade de abortar entre os países onde há membros da Rede Regional. 
  1. Prioridade 2: Acompanhar uns aos outros para nos acompanhar 

Essa prioridade trabalhará nos próximos dois anos nas seguintes ações prioritárias:  

  • Geração de espaços de treinamento para fortalecer o conhecimento sobre o acompanhamento 2T e 3T.
  • Criação de espaços para intercâmbio e fortalecimento em torno da segurança e da proteção holística das acompanhantes. 
  • Acompanhamento de ações de advocacia política e pública em cada localidade onde houver possibilidade de progresso ou ameaça de retrocesso em relação ao aborto.
  1. Prioridade 3: geração de conhecimento

Na Reunião de 2020, não foram definidas ações prioritárias para esse componente em curto prazo, pois foi decidido que, nos próximos dois anos, nos concentraríamos no fortalecimento da Rede Regional e no acompanhamento mútuo.